No dia 19 de maio concretizou-se um objetivo dos Neveiros - visitar a Real Fábrica do Gelo, na Serra de Montejunto.
Um simpático convite do Rancho Folclórico da Murteira (Cadaval) para atuarmos na noite de 19 de maio, no seu Festival de Folclore, proporcionou a organização desta muito desejada visita.
As histórias dos Poços da Neve e da Real Fábrica do Gelo são contemporâneas e duma singular complementaridade.
Recordamos o historial da Real Fábrica do Gelo:
Terá sido a corte de Filipe II (finais do séc. XVI) a divulgar e instituir o hábito de saborear o sorvete ou a bebida gelada durante os meses de estio em Portugal.
Considerando que ainda não existiam as modernas tecnologias de refrigeração, o recurso à neve e ao gelo apresentava-se como a única opção existente. Assim sendo, registou-se uma procura crescente deste escasso e valioso bem, assim como da sua comercialização.
Estando localizada a cerca de 40 km de Lisboa e próxima do rio Tejo, que na época constituía uma via privilegiada de acesso à capital, a Serra de Montejunto apresentava grandes vantagens sobre a Serra do Coentral, o então centro abastecedor de neve.
A Real Fábrica do Gelo terá sido construída por volta de 1741, e terá custado entre 40 e 45 mil cruzados, despesa megalómana para a época. A sua construção terá tido como principal objetivo colmatar as falhas sistematicamente registadas nos fornecimentos da Serra do Coentral.
Quase tudo o que se sabe sobre a atividade da Real Fábrica do Gelo deve-se à tradição oral, nomeadamente a testemunhos de descendentes de pessoas que trabalharam no fabrico do gelo.
Conta-se que quando chegava o mês de setembro enchiam-se os tanques rasos de água e durante a noite esperava-se que o frio a congelasse. Quando o gelo se formava, o guarda da fábrica ia a cavalo até à aldeia de Pragança e, com uma corneta, acordava os trabalhadores. Antes do nascer do sol, num trabalho árduo e duro, as placas de gelo eram partidas, os fragmentos amontoados e depois carregados para os silos de armazenamento, onde o gelo era conservado até à chegada do verão.
Na época do calor, decorria a complicada tarefa do transporte até à capital do reino. Primeiro o gelo era transportado no dorso de animais, para vencer o acentuado desnível da serra. Seguia depois em carroças que o faziam chegar, o mais rápido possível, aos "barcos da neve" ancorados na Vala do Carregado. Estes barcos completavam o circuito do gelo, transportando-o até Lisboa, a capital do reino.
Estima-se que a atividade da Real Fábrica do Gelo tenha cessado em finais do Séc. XIX, tendo caído no esquecimento por quase um século.
É evidente a semelhança das histórias dos nossos Poços da Neve e da Real Fábrica do Gelo e das atividades que desenvolviam:
- A contratação das gentes do Coentral quando nevava e das de Pragança quando se formava gelo nos tanques;
- O transporte da neve em carros de bois até Barquinha/Constança...e do gelo em dorsos de burros até ao Carregado;
- O percurso final de barco até Lisboa.
Foi para todos enternecedor o modo como o representante da Câmara Municipal do Cadaval, Carlos Ribeiro, guia da visita, nos relatou a descrita história. É um entusiástico estudioso da Real Fábrica do Gelo e um lutador da sua preservação e divulgação.
Nas suas apresentações aos muitos grupos de visitantes daquele espaço, refere-se sempre ao Coentral e aos Neveiros. É um verdadeiro embaixador da nossa terra.
No final da visita foi oferecido pela Câmara Municipal do Cadaval o belo e valioso livro A Fábrica de Neve da Serra de Montejunto, com que brindam os visitantes que consideram importantes.
O Rancho retribuiu oferecendo um Poço da Neve, feito em pedra pelo Alberto Simões, membro do grupo desde a sua fundação.
Quando iniciámos a viagem de descida da Serra de Montejunto meditávamos sobre:
- A diferença entre o acesso ao alto daquela Serra e as lamentáveis condições em que se encontra a estrada de ligação do Coentral ao Santo António da Neve, atualmente intransitável;
- As muitas centenas de pessoas que chegam ao Coentral interessados em conhecer os Poços da Neve, que seguindo as diversas placas indicativas desde a sede do concelho, são obrigados a voltar para trás, desistindo da visita ou sendo obrigados a percorrer mais uns bons quilómetros, utilizando o percurso pelo Trevim;
- As instalações turísticas de apoio que visitámos, com uma descrição detalhada da Real Fábrica do Gelo e da sua atividade, onde não faltam fotografias e referências aos nossos Poços da Neve.
No Santo António da Neve, considerado património nacional, nem uma alusão à atividade de recolha da neve e importância dos poços, que o Rancho assumiu como missão divulgar, e que deveria ser orgulho de todos.
De realçar a conversa entre o Senhor Presidente da Câmara do Cadaval e a Direção dos Neveiros, antes do início do Festival.
Expressou a sua simpatia pelo nosso Concelho, pela nossa visita e importância que lhe dedicava, razão porque procurou que tivéssemos o acolhimento especial que nos achava merecedores.
Confidenciou-nos o seu empenho em dinamizar a associação entre as diversas localidades que em Espanha e Portugal desenvolveram no mesmo período a atividade de recolha da neve ou do gelo.
Que consiga concretizar esse seu desejo e o nosso Muito Obrigado pelo modo com fomos recebidos!
E nós, aprendemos muito.
Não podemos ficar de braços cruzados.
Temos de lutar...
Pela reconstrução da estrada do Coentral ao alto da serra...
E para que o Santo António, património nacional, disponha das condições que a sua história merece.